A Medida Provisória 881/2019, também conhecida como “MP da liberdade econômica”, foi aprovada na Comissão Mista do Congresso Nacional, com a inserção de diversas emendas ao texto original. Essas proposições implicaram modificações substanciais no objeto inicial da MP, o que, de acordo com o Supremo Tribunal Federal (ADI 5.127), não seria possível. De toda forma, uma vez aprovada pela Comissão, a MP 881 segue agora para a Câmara dos Deputados para análise e conversão em projeto de lei.
Assim, mesmo com o início da discussão sobre a legalidade e constitucionalidade das alterações propostas, é preciso avaliar os principais pontos de alteração relacionados ao Direito do Trabalho.
De início, tem-se que a inclusão do artigo 72 no projeto de lei suspende a aplicação de dispositivos legais, infralegais e convencionais (negociações feitas entre os sindicatos ou entre empresa e sindicato) até que o IBGE divulgue relatório que aponte que o desemprego no país se encontra abaixo de 5 milhões durante pelo menos 12 meses. Essa medida visa, na fala do governo, facilitar e fomentar as relações de trabalho. Vale lembrar que tal número não é atingido atualmente nem mesmo pelos Estados Unidos.
A emissão da carteira de trabalho passará a ser eletrônica e, como exceção, impressa. Com a extinção do Ministério do Trabalho e Emprego, passa a ser do Ministério da Economia a responsabilidade pela sua emissão e pela regulamentação da referida emissão. E ainda: a carteira de trabalho passará a ter como única identificação o CPF, ou seja, toda e qualquer anotação sobre o contrato de trabalho, como admissão, salário, função e férias, será feita eletronicamente com a indicação do CPF do empregado.
Também sobe de 48 horas para cinco dias o prazo para o empregador proceder às anotações/lançamentos na carteira de trabalho. E passa o empregado a ter 48 horas para acessá-las após terem sido feitas.
O texto torna facultativa a criação de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (Cipa) em estabelecimentos ou locais de obras especificadas nas instruções a serem expedidas pela Secretaria do Trabalho, por meio de ato do Poder Executivo Federal.
Já para os empregados que percebam remuneração mensal acima de 30 salários mínimos, tendo as partes sido assistidas por advogado de sua escolha quando da contratação, o caso será orientado pela liberdade econômica e regido pelas regras de Direito Civil. Mas a propositura ressalva a adoção subsidiária da Consolidação das Leis do Trabalho, as garantias previstas no artigo 7º da Constituição Federal (tais como seguro desemprego, FGTS, irredutibilidade salarial, férias anuais remuneradas, licença à gestante e aviso prévio), bem como as disposições sindicais.
Descanso
Sobre o descanso nos fins de semana e feriados, ficou mantida a garantia do repouso semanal remunerado de 24 horas, mas se excluiu a necessidade da permissão prévia da autoridade competente, bem como a necessidade de “motivação da conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço” para o trabalho nesses dias. E ainda, atribuiu-se ao empregador a faculdade de conceder folga compensatória ou pagar o dia trabalhado de forma dobrada nesses casos.
Já para as empresas que explorem o serviço de telefonia, telegrafia submarina ou subfluvial, de radiotelegrafia ou de radiotelefonia, com a revogação dos parágrafos 1º e 2º do artigo 227 da CLT, deixa de ser extraordinário o serviço prestado em domingos e feriados, desde que não seja realizado como jornada extraordinária.
Também ficou dispensada a fixação de quadro de horário geral, mantendo-se a anotação da jornada tão somente no registro da jornada do empregado. Foi autorizada a anotação de ponto por exceção negociada por acordo individual de trabalho, ou seja, estabelecem as partes — empregado e empregador — que a jornada somente será anotada se houver excesso da jornada contratada.
Sobre as atividades relacionadas ao agronegócio e demais atividades sujeitas às condições climáticas como fator determinante do período para sua execução, excluíram-se as restrições de horário e dia da semana impostas pela lei. A lei expressamente indica as atividades de fornecimento, beneficiamento, armazenamento e transporte de produtos agrícolas.
Fiscalização
No tocante à fiscalização, outra alteração é a exclusão da possibilidade de o delegado regional do trabalho, em caso de iminente risco para o trabalhador, interditar estabelecimento, setor de serviço, máquina ou equipamento, ou embargar obra, com base no relatório técnico do serviço competente. Passa a ser o auditor fiscal o responsável pelo relatório e atribui apenas à autoridade máxima regional em inspeção do trabalho proceder, conforme acima indicado.
Em caso de recurso administrativo, cujo prazo fora majorado de 10 para 30 dias (incluído para União, estados, DF, municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público), em atenção à decisão da autoridade em inspeção, terá a unidade competente para o seu julgamento três dias úteis.
Houve a inclusão da dupla visita obrigatória em microempresas, empresas de pequeno porte e estabelecimentos ou locais de trabalho com até 20 trabalhadores, além das infrações relacionadas à saúde e segurança em caso de gradação leve. Também se estabeleceu prazo de 180 dias para a dupla visita e excluiu-se a necessidade desta dupla visita para o caso de infração pela falta de registro do empregado ou anotação de carteira de trabalho, reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização, acidente do trabalho e trabalho em condição análoga à escravidão ou infantil.
Após a decisão da autoridade administrativa, poderá o empregador recorrer em 30 dias para a segunda e última instância administrativa, não sendo mais necessário que ele recolha a multa como condição para análise do apelo. O recurso terá efeito devolutivo e suspensivo até o julgamento final, sendo que, caso o recorrente desista, haverá redução de 30% no valor da multa imposta; e para empresas de pequeno porte ou microempresas com até 20 trabalhadores, essa redução será de 50%. Atualmente, a não apresentação de recurso já autoriza a redução de 50% na multa, independentemente do porte da empresa autuada.
O PL também cria o “domicílio eletrônico trabalhista”, que será regulamentado pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. Por meio de tal domicílio, os empregadores/patrões serão cientificados de quaisquer atos administrativos, ações fiscais, intimações e avisos em geral. Também por meio eletrônico poderão apresentar manifestação e documentação solicitada pelas autoridades fiscais, o que, atualmente, ocorre por exceção.
Inconstitucionalidade
Ainda, tornou o termo de compromisso firmado entre empregador e a autoridade trabalhista, decorrente do procedimento especial da ação fiscal, título executivo extrajudicial. Não bastando, inseriu-se a precedência de tal termo sobre quaisquer outros títulos executivos extrajudiciais.
Neste ponto, é de se destacar a inconstitucionalidade de tal alteração, sobretudo porque os títulos executivos extrajudiciais, sua execução, bem como a ordem de preferência estão estabelecidos no Código de Processo Civil. E, de acordo com a própria Constituição Federal, em seu artigo 62, parágrafo 1º, inciso I, item b, é “vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria relativa a direito penal, processual penal e processual civil”.
Grupo econômico
Houve uma mudança sobre a responsabilidade solidária das empresas integrantes do grupo econômico (artigo 2º da CLT). Foi extinta a responsabilidade solidária entre empresas integrantes de grupo econômico como regra geral para as obrigações decorrentes da relação de emprego, restringindo-a tão somente quando comprovado abuso da personalidade jurídica, conforme previsão contida no artigo 50, do Código Civil, que também sofrerá alteração pela MP 881/19.
Além disso, o projeto de lei dificulta a desconsideração da personalidade jurídica — medida amplamente utilizada na Justiça do Trabalho para fazer cumprir as decisões judiciais e coibir fraudes.
Por fim, destaca-se, ainda, a alteração da Lei Federal 13.021/2014 — atividades farmacêuticas. Criou-se, no texto, o Sistema de Observatório Nacional de Liberdade Econômica, sem qualquer menção a entidades representativas de trabalhadores, extinguiu-se o e-Social e dispensou-se o encaminhamento de guia da Previdência Social aos sindicatos profissionais, dificultando o acompanhamento do cumprimento das obrigações legais e convencionais.
Fonte: ConJur